Ciclocosmo: Parque na margem oeste do rio Pinheiros revela uma São Paulo insólita

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Sair da Paulista para um pedalada de uma hora e voltar com fotos e histórias de uma linda estradinha de terra, vaquinhas pastando na relva e peixes cercando um deque flutuante sobre o rio Pinheiros. Parece utopia, não?

Difícil de acreditar, mas graças à construção do Parque Linear Bruno Covas e ao processo de despoluição do rio Pinheiros, esse cenário de dar inveja a qualquer roteirista já é realidade.

Mesmo antes da inauguração do primeiro trecho —que deve ocorrer oficialmente em julho deste ano—, já existem 4 acessos livres e gratuitos para ciclistas e pedestres interessados em experimentar a rara sensação de cruzar a selva de pedras por um caminho bucólico, cheio de vida e onde veículos automotores são proibidos.

Localizado na margem oeste do rio Pinheiros —oposta à da tradicional ciclovia da marginal—, o parque engloba uma área de 650 mil metros quadrados antes servida apenas por uma precária ciclovia que, pela falta de segurança, era utilizada apenas pelos mais corajosos e tinha o apelido de “Faixa de Gaza”.

Junto às novas estruturas, que incluem uma pista de 8,2  km de asfalto lisinho para pedestres e ciclistas, a administração do parque entregou 36 bicicletas reformadas para a Polícia Militar vigiar a região localizada entre a ponte Cidade Jardim (zona oeste) e o Projeto Pomar (zona sul).

“Agora o lugar é frequentado por famílias a passeio, trabalhadores em deslocamento e gente que busca um espaço tranquilo e bem equipado para se exercitar ou relaxar. É um ambiente democrático”, diz Michel Farah, CEO da Farah Service, uma das empresas que junto à Jardiplan, Parque Global e Metalu compõe o consórcio que administra o parque através de investimentos privados.

Sem carros e sem o antigo odor do rio, o visitante pode admirar tranquilamente os brilhantes arranha-céus da metrópole ou fazer um piquenique sob a sombra da ponte Estaiada enquanto curte o passeio ladeado por remanescentes de Mata Atlântica, capivaras e patos selvagens (que já voltaram a nadar nas águas do não mais tão poluído rio Pinheiros).

Além da pista de asfalto e da segurança, o parque já conta com equipamentos para recreação infantil, uma instalação de arte indígena, uma cafeteria e uma loja de bicicletas que oferece serviços de mecânica a preços acessíveis —15 Reais para regulagem de câmbios ou freios, 50 Reais para troca de câmara de ar.

Dos 6 acessos previstos, 4 já funcionam. Na zona sul, a ciclovia da ponte Laguna se conecta a uma grandiosa rampa em zigue-zague pela qual pedestres, cadeirantes, patinadores e ciclistas podem acessar o parque. Na ponte João Dias e no Projeto Pomar há entradas planas, sem obstáculos.

O acesso da ponte Cidade Jardim é complicado. Por lá a velha escadaria que conectava a calçada da ponte à antiga “Faixa de Gaza” é a mesma utilizada até hoje e vem causando reclamações. “É difícil descer essa escada carregando a bike no braço, mas vale a pena. Quase inacreditável um espaço lindo como esse no meio da cidade”, diz a engenheira Carol Rocque, de 54 anos, que pedalou 8Km pelo parque com sua amiga Roberta Almeida, de 55 anos.

A substituição da escadaria por uma rampa acessível está prevista para junho, garante a administração do parque. Ainda assim faltará, por parte da prefeitura, a ampliação da calçada daquela ponte, hoje estreita demais para um fluxo tão grande de pedestres e ciclistas.

Na altura do bairro Panamby, uma passarela para pedestres e ciclistas já passou por aprovação e será construída sobre a avenida marginal Pinheiros até o final do ano. Na mesma região está o sexto acesso, que será entregue em junho e conectará as duas margens do rio por uma ciclopassarela flutuante.

Outra atração do trecho inaugural é o deque flutuante sobre o rio Pinheiros. Mesmo com o equipamento ainda em fase de montagem, já tem gente o explorando para um ângulo fotográfico original do rio e suas surpresas —além dos belos reflexos da ponte Estaiada, peixes tem sido flagrados por ali, cena improvável por décadas de forte poluição.

As surpresas não param por ali, na parte “produzida” do parque. Outros dois trechos que ainda não ganharam infraestrutura já estão com acessos liberados.

Entre a Cidade Jardim e o bairro Jaguaré (zona oeste) fica o percurso de 9 Km que antes era usado por tratores e caminhões de manutenção da Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia).

Sem asfalto ou pontos de apoio, apenas os mais aventureiros estão encarando essa parte do caminho, ainda pouco explorada de terra batida —situação perfeita para mountain bikers e graveleiros (ciclistas fora de estrada).

Alguns já defendem que as coisas continuem assim. “Isso aqui é um oásis no meio do caos. Venho aqui exatamente para pedalar na estrada de terra e fazer uma aventura, desestressar”, diz o contador Ezequiel Soares, que pedala 33 Km de Santo Amaro até um denso arvoredo entre as pontes Eusébio Matoso e Cidade Universitária, seu “oásis”.

Ao fim do caminho, no sentido norte, está o inusitado cenário do Cebolão. Um entroncamento de três viadutos gigantes que conectam as avenidas marginais Pinheiros e Tietê e a rodovia Castello Branco. A experiência de estar ali, sob um dos maiores fluxos de trânsito da América Latina, fora de um carro, impressiona.

O terceiro trecho, ao sul, liga o Projeto Pomar ao bairro Pedreira por 12 Km de uma antiga ciclovia. O trecho ainda está em licitação (oficialmente não faz parte do Parque Linear Bruno Covas), mas já pode ser explorado através do que sobrou da “Faixa de Gaza”.

O técnico de manutenção Claudio Carvalho passa por ali duas vezes por dia. De bicicleta ele percorre 22 Km entre sua casa, na Vila São José (zona sul) e a avenida Faria Lima (zona oeste). “Vou pedalando de manhã e volto de noite. É rápido, não custa nada e nunca deu problema”, disse ele ao passar por uma fogueira feita por moradores de rua sob a ponte do Socorro.

Talvez seja esse o mais curioso de todos os 3 trechos. Por lá estão as cenas mais insólitas para o cotidiano de um cidadão paulistano: vaquinhas pastando na relva à beira-rio, cavaleiros cuidando do rebanho, uma linda ponte móvel —ponte Friedrich Bayer— que se abre para a passagem de embarcações do rio Pinheiros, e um imenso “mar” azul —a represa Guarapiranga— cortado por caminhos em palafitas.

De bicicleta, a jornalista Juliana Linhares percorre o trecho pelo menos uma vez por semana. Sai sozinha de sua casa, no Sumarezinho (zona oeste), entra no parque pelo acesso da Cidade Jardim e vai até as praias da Guarapiranga para tomar sol. Pelo caminho vê vaquinhas, capivaras, patos, toma água de coco, conhece gente e se exercita. “Meus finais de semana são aqui”.

Se um dia ela publicar um livro com as histórias dos passeios de bicicleta pelo Parque Linear Bruno Covas, vai ter leitor achando que é tudo ficção ou utopia de uma mente criativa. Não é.

Redação

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