Diesel verde e querosene renovável são novas apostas nos biocombustíveis

Publicado no jornal Estado de S.Paulo → Leia AQUI

A 35 quilômetros de Assunção, capital do Paraguai, em uma cidade de pouco mais de 35 mil habitantes chamada Villeta, o grupo brasileiro ECB (dono da fabricante de biodiesel BSBlos) está investindo US$ 800 milhões (cerca de R$ 4,5 bilhões) em uma usina que produzirá combustíveis do futuro. Serão fabricados no local diesel verde (HVO) e querosene de aviação renovável. A planta deve começar a operar apenas em 2025, mas toda sua produção até 2030 já está vendida para a Shell e a BP.

Se estivesse operando hoje, a unidade elevaria a receita anual do grupo ECB em US$ 1,2 bilhão (R$ 6,7 bilhões). Em 2020, o faturamento do grupo foi de R$ 5,3 bilhões e, para 2021, estão previstos R$ 8 bilhões. “O comprometimento da sociedade (com a redução de carbono) em 2030 vai ser ainda maior. Então, a expectativa é que o negócio fique ainda melhor depois disso”, diz o presidente do EBC, Erasmo Carlos Battistella.

O empresário pretende desenvolver um projeto semelhante no Brasil assim que o HVO for regulado no País – o assunto está em debate no Congresso. Adiantado-se a isso, a Brasil Biofuels, produtora de óleo de palma, anunciou na semana passada a construção da primeira unidade de HVO do País, que será instalada na Zona Franca de Manaus e receberá um aporte de R$ 1,8 bilhão.

O HVO (sigla em inglês para óleo vegetal hidrotratado) emite até 85% menos gás carbônico que o diesel comum e pode ser usado em veículos a diesel sem que os motores precisem ser adaptados. Ele é produzido a partir de óleo de cozinha, de óleos vegetais, como óleo de palma, soja ou girassol, e de gorduras animais, que reagem com o hidrogênio.

Apesar de haver só um projeto anunciado para o País até agora e de a regulação ainda estar indefinida, o HVO – e outros biocombustíveis – tem grande potencial no Brasil, além de um mercado promissor que deve surgir com a descarbonização da economia. “O País tem potencial de ser o maior e mais importante produtor de biocombustível do mundo em 2050. Só precisamos de políticas públicas para chegar lá”, diz Battistella, do grupo ECB. “Precisamos começar a pensar em rota tecnológica, implementação de mercado, diversificação de matéria-prima, certificação de cadeia produtiva. Se fizermos o dever de casa, temos um potencial g igante, mas dependemos de os líderes organizarem isso.”

A experiência do Brasil com o etanol e a possibilidade de a agricultura oferecer matéria-prima para a indústria são os fatores que podem impulsionar o setor de combustíveis avançados por aqui, alavancando também o agronegócio. “Os combustíveis são mais um canal de absorção de produtos agrícolas, o que vai exigir aumento da produção local. E a gente tem área já antropizada e tecnologia para produzir”, afirma Guilherme Bellotti, gerente da Consultoria Agro do Itaú BBA.

O potencial é tão latente e a demanda por combustíveis de baixa emissão é tão alta que empresas estrangeiras estão incentivando a exploração da indústria no País. O diretor-geral da Boeing do Brasil, Landon Loomis, por exemplo, afirma que o Brasil pode ser um dos principais parceiros da indústria aérea na produção de combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês).

O SAF é fabricado a partir de resíduos, como óleo de cozinha usado e gordura animal, e pode reduzir em até 80% as emissões de carbono da aviação comercial. Hoje, a produção global de SAF é de 100 milhões de litros por ano, o que representa 1% da demanda por combustível do setor.
Além da criação de combustíveis sustentáveis para o uso em caminhões, ônibus e aviões, a indústria também trabalha em uma tecnologia relativamente nova para os carros: o etanol de segunda geração (E2G). A Raízen, por exemplo, fabrica E2G em Piracicaba (SP) desde 2015 e, agora, está construindo sua segunda unidade do produto em Guariba (SP), que terá o dobro de capacidade da primeira.

Como é produzido a partir de resíduos da fabricação do etanol tradicional (palha e bagaço da cana-de-açúcar), o E2G não aumenta a necessidade de cultivo de cana. O vice-presidente comercial, de logística e distribuição da Raízen, Leonardo Pontes, destaca que o novo combustível é altamente atraente sobretudo na Europa, onde a produção de matéria-prima para biocombustíveis disputa espaço com a de alimentos.

Marcelo Lia

Jornalista, sócio-diretor da Líbero Comunicação, acumula mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, mídias digitais e assessoria de imprensa