‘Carro voador’ de subsidiária da Embraer já tem 2,8 mil intenções de compra

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Aos poucos, o “carro voador” desenvolvido pela Eve, subsidiária da Embraer, vem ganhando forma para além dos contornos futuristas. A expectativa é que o protótipo seja apresentado ao mercado já no ano que vem, com início da operação em 2026. Depois do desenvolvimento interno, a aeronave elétrica passa agora pela fase de detalhamento com fornecedores. Em paralelo, a empresa tem conversado com reguladores e potenciais clientes, enquanto soma cerca de 2,8 mil intenções de compra.

Na maior feira de aviação do mundo, promovida na semana passada, a Eve anunciou o nome das três primeiras empresas que irão fornecer equipamentos para o eVTOL (sigla em inglês para “aeronave elétrica de decolagem e pouso vertical”). Entre elas, a Nidec Aerospace LLC, joint-venture entre a japonesa Nidec Corporation e a Embraer, que desenvolverá o sistema de propulsão elétrica do veículo.

A etapa seguinte, prevista para a segunda metade de 2023, é a montagem do primeiro protótipo da aeronave, que deve entrar em teste em 2024. O modelo inicial contará com um piloto e capacidade para mais quatro passageiros. Mais para frente, depois da consolidação da operação, a Eve planeja a construção de um veículo capaz de voar sem um piloto a bordo.

O processo de validação do eVTOL tem particularidades, com destaque para o fato de se tratar de um veículo 100% elétrico. Contudo, no caso da bateria, por exemplo, a Eve trabalha com uma tecnologia já existente. Entre os testes previstos para os próximos meses, está o de túnel de vento.

Em paralelo ao desenvolvimento tecnológico, ocorrem as conversas com as partes interessadas. “É um trabalho complexo que não nos permite idas e vindas. Por isso, temos nos engajado com operadores, potenciais clientes e autoridades para garantir a viabilidade técnica e econômica”, diz o diretor de tecnologia da Eve, Luiz Valentini.

A viabilidade financeira para o usuário final também é prioridade, complementa o vice-presidente de serviços e soluções de operação da Eve, Luiz Mauad. A empresa calcula que o preço inicial de uma passagem de eVTOL corresponda a cerca de duas vezes o que é pago em uma viagem de carro por aplicativo para fazer a mesma jornada, podendo variar de acordo com cada cidade.

“A empresa só nasceu de fato quando encontramos a tecnologia adequada para que o valor do voo fosse acessível”, afirma Mauad. Com a capacidade de escala prevista pela Eve, a companhia projeta que, até 2035, 450 eVTOLs estejam sobrevoando a cidade de São Paulo, com conexões em mais de 30 pontos, ainda de acordo com o executivo.

Regulamentação

Em iniciativas como esta, é de praxe que a tecnologia anteceda a regulamentação, segundo Roberta Andreoli, sócia-fundadora do escritório especializado em direito aeronáutico, Leal Andreoli Advogados. “Isso ocorre para evitar que as normas interfiram no processo de desenvolvimento técnico”, explica. No entanto, a especialista destaca que já existem estudos em andamento e que os reguladores estão se movimentando para atender a demanda de mercado.

Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) espera concluir ainda em 2023 a primeira etapa de certificação, que define qual será a base regulatória utilizada e os requisitos básicos. A fase seguinte é o plano de certificação, na qual a Eve apresenta ao órgão regulador um cronograma para demonstrar a capacidade de atender a essas regras. Antes de ser colocado em prática, o planejamento passa pelo aval da agência. Na sequência, a aprovação está sujeita às demonstrações do equipamento.

Não seria inviável passar por todas as etapas regulatórias em três anos, de acordo com Roberto Honorato, superintendente de Aeronavegabilidade da Anac. “Faremos o possível para que os cronogramas sejam atendidos. No entanto, precisamos avaliar na prática”, diz, ressaltando que o processo está ainda em estágio inicial.

O ponto de partida é a regulação existente, com destaque para as normas para os helicópteros e outras aeronaves de pequeno porte, ainda segundo Honorato. No caso das regras para drones, ele considera que seriam menos aplicáveis, pois não englobam o risco de passageiros a bordo, como é o caso do eVTOL. À medida que o desenvolvimento avance, a Anac vai analisar quais pontos precisam ser aperfeiçoados ou modificados para atender as especificidades.

Para Roverta, promover ajustes normativos ao invés de criar algo do zero é a estratégia mais acertada. A advogada complementa que a Anac pode contar também com os exemplos de outros países. Em meados de junho, a agência assinou cartas de intenção de cooperação para certificação de eVTOL com as autoridades de aviação civil europeia (Easa) e do Reino Unido (CAA-UK). A expectativa é promover um acordo desse tipo com os Estados Unidos.

O superintendente da Anac explica que é importante que as regras brasileiras sejam compatíveis com as mundiais, já que cada país em que o eVTOL for operar precisa validar as normas primárias criadas pelo órgão brasileiro. Honorato vê o Brasil bem posicionado. “Somos um dos poucos países que estão desenvolvendo essa tecnologia. Temos a oportunidade de tomar parte nas decisões iniciais e influenciar”, afirma.

Infraestrutura

No entanto, a regulamentação não depende apenas da Anac, pondera Fábio Falkenburger, sócio do escritório Machado Meyer Advogados, que atua nas áreas de aviação e navegação. “Acredito que isso será um dos principais desafios, porque é um produto totalmente novo”, afirma. No Brasil, esse controle é de responsabilidade do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) da Força Aérea Brasileira.

Apesar do veículo da Eve deter tecnologia para operar na mesma altitude que os aviões, os estudos produzidos recomendam que voe na mesma altitude dos helicópteros, segundo Alberto Sanz Sogayar, sócio do escritório Sogayar & Alcântara Advogados. Ele destaca que a cidade de São Paulo tem a maior frota deste tipo de transporte do mundo, com um helicóptero pousando a cada 45 segundos, mostra um levantamento da Associação Brasileira dos Pilotos de Helicóptero (Abraphe). “Com a entrada em operação dos eVTOLs, é muito provável que esse tráfego aumente consideravelmente”, afirma.

Valentini, da Eve, afirma que a integração com as cidades está na pauta. A empresa tem conversado com autoridades municipais e de gestão de tráfego aéreo. “É um desafio muito grande, mas é importante que a infraestrutura necessária exista e esteja operacional para que o serviço seja oferecido.”

A agenda da subsidiária da Embraer inclui também as discussões sobre os aeroportos para eVTOL, chamados de “vertiportos”. Ainda não está definido qual será o melhor modelo: criar novos aeroportos ou adaptar estruturas já existentes. No entanto, a Eve diz estar em contato com empresas que fornecem energia, por exemplo, para analisar a viabilidade dos pontos de recarga, assim como com companhias de infraestrutura. A regulamentação para os “vertiportos” tem sido desenvolvida pela Anac junto com as regras para as aeronaves.

Redação

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